Arquétipos representam conhecimentos bastante amplos que podem ser utilizados em diversas áreas de conhecimento. Sua principal aplicação está na psicologia analítica, no entanto, esses conceitos se demonstraram úteis também em estratégias de Storytelling para Marketing, palestras ou pitch. Várias subcategorias podem ser criadas dentro desse tema, e, no presente post, abordaremos os chamados “arquétipos femininos”. 

Esses arquétipos ficaram conhecidos assim por terem representações femininas bastante impactantes dentro da cultura de nossa sociedade. Assim, eles se associaram mais à figura desse gênero em específico. Porém, será que arquétipos têm gênero? É possível usar esses arquétipos para criar personagens femininas que sejam verossímeis e interessantes dentro de narrativas e técnicas de Storytelling?

Tudo isso você poderá conferir nesse post, que será guiado pelo conteúdo disponibilizado a seguir:

Já se preparou para embarcar nessa jornada? Então, boa leitura!

O que são arquétipos?

Arquétipos são imagens primordiais que estão presentes no inconsciente coletivo de todas as pessoas, servindo como tendência para criação de representações e, portanto, oferecendo suporte ao reconhecimento e familiaridade de pessoas que entram em contato com elas. 

Você pode não ter entendido uma palavra da definição que fornecemos acima, portanto, vamos por partes. Primeiro, você precisa compreender que o termo “arquétipo” faz parte dos estudos e teorias de um famoso psiquiatra suíço chamado Carl Jung. Ele ficou muito famoso por ter Sigmund Freud, pai da psicanálise, como tutor e companheiro próximo. Porém, devido a diferenças conceituais, ambos se afastaram em relação às teorias. 

Jung foi a fundo nos estudos de antropologia e de cultura de diversas civilizações e encontrou imagens e símbolos que eram bastante comuns. Com isso, ele chegou na ideia de que a espécie humana tem, como um de seus recursos de sobrevivência, uma espécie de “reservatório” inconsciente de imagens, que carregamos e passamos hereditariamente. A esse reservatório ele chamou de “Inconsciente coletivo”, que é impossível de ser acessado conscientemente. 

Dentro desse inconsciente coletivo existem essas imagens abstratas que poderiam ser consideradas tendências ou instintos a se formar representações. Mesmo que não saibamos nada sobre a teoria dos arquétipos, ainda assim conseguimos olhar para uma representação e de certa forma reconhecê-la, sabendo como ela é e de que forma ela age. Isso é útil para análise de personalidade e, também, para a criação de personagens verossímeis e atrativos para narrativas. 

O que seriam os arquétipos femininos?

Em tese, não existem arquétipos femininos. Arquétipos são imagens fundamentais que servem para criação de representações importantes para nosso reconhecimento e de nossas personalidades. Desse modo, eles se enquadram em uma categoria que está além de qualquer construção social.

No entanto, apesar deles moldarem nossa visão, eles também são moldados com o passar do tempo a partir da sociedade. Com isso, alguns arquétipos foram representados mais expressivamente de maneira feminina por se assemelharem mais ao que é associado ao universo feminino

Um exemplo é o arquétipo da Mãe, que traremos mais adiante. É um arquétipo essencialmente feminino por ter como representação arquetípica a figura da mãe, que é invariavelmente feminina. No entanto, esse arquétipo pode ser reconhecido também em diversas figuras masculinas. Então, em súmula, apesar de um arquétipo receber a nomenclatura de “feminino”, não necessariamente ele está atrelado a um personagem que seja feminino. 

Quais são os principais arquétipos femininos de Carl Jung?

Jung reconheceu em suas obras que existem inúmeros arquétipos. Assim, é impossível criar uma relação de todos eles. No entanto, em sua pesquisa, ele destacou alguns principais que, para ele, são essenciais na formação da personalidade de uma pessoa. Com o tempo, depois, mais pessoas foram adicionando arquétipos, que podem ou não ser associados à figura e teoria de Jung. 

É importante frisar que os arquétipos têm uma sombra, que é uma forma como eles se apresentam negativamente na personalidade. Dessa forma, trataremos de explicar o arquétipo e qual sua sombra. 

Os principais arquétipos reconhecidos por Jung que possuem conotação feminina em sociedade são:

A Mãe

O arquétipo da Mãe é um dos mais complexos arquétipos que existem por sua onipresença e alta representatividade. Ele pode aparecer em diversas formas, desde figuras femininas de autoridade, de certa idade ou divindades. As características associadas a ela são a de cuidar e simpatizar, a autoridade voltada à magia e ao místico, sabedoria que é capaz de transcender inclusive a própria razão. Qualquer coisa benigna que seja relacionada à crescimento, nascimento, alimentação e fertilidade também são características do arquétipo da Mãe. 

Sombra: em sua parte negativa, o arquétipo da Mãe implica a existência de segredos, de algo oculto, que atrai, seduz, envenena e arrasta para um vazio ou abismo. É por isso que diversas representações da Mãe são encontradas em deusas do destino em diversas mitologias, como as Moiras da mitologia grega. Afinal, nada é mais cruel, misterioso e vazio que o próprio destino. 

A Anima

A Anima é um arquétipo de personalidade que representa a figura do feminino encontrada dentro de uma personalidade que é predominantemente (e socialmente) masculina. Como uma das primeiras figuras femininas na vida de uma pessoa é a mãe, esse arquétipo está intimamente ligado ao arquétipo da Mãe. 

Ela é uma espécie de imagem feminina ideal que é formada em partes pela influência de pais/mães e em partes pela sociedade. Suas características positivas são receptividade, criatividade, comunicação e completude. Além disso, pode incluir tendência a ser sentimental, capacidade para relacionamentos e tendência ao contato com a natureza. 

Sombra: Quando a persona masculina reprime a Anima dentro de si, ela se “deforma”, acessando sua sombra. Assim, ela pode apresentar possessividade, tendência a manipular e, até mesmo, se tornar um perigo. Essa é a origem de tantas personagens Femme Fatale que são famosas no cinema por seu convencimento via sedução e dedicação a alcançar o que deseja a qualquer custo. Um exemplo bastante vívido dessa personagem é Dalila, na história bíblica de Sansão e Dalila. 

Quais outros arquétipos femininos famosos existem?

Para além dos principais apresentados e abordados por Jung em suas obras, mais arquétipos foram reconhecidos ao longo do tempo por outras pessoas que seguiram os estudos na área. Vamos conhecer alguns arquétipos femininos que são abordados nas demais obras: 

1 – A Donzela

Todos nós conhecemos bem o arquétipo da donzela, que é exaustivamente replicado desde a literatura medieval. Esse arquétipo está associado à juventude, inocência, pureza e sensibilidade. Muitas vezes, a personagem por trás desse arquétipo age de maneira infantil e enxerga tudo por meio dos olhos de uma criança, afinal, ela ainda não atingiu a fase de sua vida relacionada à maturidade. Fácil de inspirar e deseja viver a vida em seu máximo, a donzela carrega consigo uma força e uma capacidade que ela não conhece. 

Sombra: Por ser inocente e imatura demais, a donzela frequentemente é fácil de ser manipulada e enganada. Caso não descubra sua força rápido, corre o risco de ser trancafiada de alguma forma, dependendo de uma ajuda externa para conseguir salvação. Nesse caso, ela acaba sendo reduzida a um objeto de desejo, um prêmio a ser conquistado. 

2 – A Amante

O arquétipo do ou da Amante é um arquétipo bastante flexível, sendo expressado tanto para personagens masculinos e femininos, quanto para ambos ao mesmo tempo. Essa personagem se associa ao ato de amar, seja uma pessoa específica, a família, amigos ou qualquer outra entidade. A amante tem o desejo de se sentir completa e amada pelas pessoas que ama, sendo seu objetivo principal. Suas características são a lealdade, fidelidade e a coragem para mover montanhas em prol do alvo de seu amor. 

Sombra: A sombra do arquétipo do amante acontece quando há uma ruptura. Por estar muito associada ao arquétipo da alma, do Animus/Anima, se essa personagem sente que foi rejeitada e perdeu o amor de sua vida, ela acessa sua sombra, Nesse caso, ela pode ou se tornar uma amante impiedosa, que destrói relacionamentos e corações ou, em outros casos, pode até mesmo deixar de querer viver, como Julieta em Romeu e Julieta. 

3 – A Soberana

Representando as personagens femininas do arquétipo do Soberano, a Soberana tem como características a força, a liderança e o senso de dever e propriedade. Esse arquétipo compõe personagens que não se desculpam com facilidade e são extremamente confiantes. Sua devoção às leis e a moral faz com que sejam mais conservadoras e se fixem em acordos sociais, como o casamento. 

Sombra: Quando a Soberana não compreende que ela somente é suficiente, ou seja, quando ela sente que necessita de um Soberano para governar ao seu lado, ela pode acabar acessando sua sombra. Nesse caso, ela pode se tornar uma tirana por conta de seu ciúmes e inveja, o que fará com que ela rivalize com qualquer outra mulher que se aproximar. 

4 – A Caçadora

Tem como representação máxima e mais evidente a deusa Ártemis, da mitologia Grega. O arquétipo feminino da Caçadora representa personagens independentes, bem sucedidas, livres e destemidas, vivendo a vida de acordo com suas próprias regras

Também associada à juventude e vitalidade, um fato importante é que, apesar de também serem uma faceta do arquétipo da mãe, as personagens caçadoras normalmente não se enxergam no papel de maternidade, logo, ter filhos ou filhas não é uma prioridade. Sua tendência é construir comunidades com outras mulheres com objetivo semelhante. Tem uma tendência ao nomadismo. 

Sombra: A Caçadora é um arquétipo independente e introvertido. Caso não se sinta livre, ela pode acessar sua sombra, que fará com que se torne indisponível, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Também dificilmente confiará em personagens masculinos por conta da desconfiança natural que tem em relação a eles. 

5 – A Sábia

A Sábia também é a representação feminina do arquétipo geral O Sábio. A Sábia é uma personagem ligada à experiência, ao conhecimento, à estratégia, disciplina e pensamento crítico. Por ser tão racional, a Sábia diversas vezes não dá vazão ao seu lado sentimental e emocional. Por conta da sociedade culturalmente associar esse atributos somente a homens, essas personagens são representadas como cercadas de homens, como em uma guerra. Uma representação é Atena ou Minerva, a deusa da sabedoria e estratégia de guerra. 

Sombra: A Sombra da Sábia é justamente a sua desconexão com o lado sentimental, que denota as personagens arquetípicas femininas. Com isso, ela poderá ter pouca paciência com pessoas que são mais sonhadoras ou idealistas, o que pode acabar passando a impressão de que ela é uma megera. 

6 – A Mística

A Mística é uma personagem arquetípica que está voltada ao seu crescimento interior. Introvertida, ela quer encontrar sua paz interior e está bastante conectada com meios espirituais. Muitas vezes se apresenta tímida, intuitiva e evita estar no centro das atenções. 

Sombra: Por ser muito introvertida, essa personagem tem sua sombra também nas suas vantagens, uma vez que pode fazer com que as demais personagens não a compreendam, tornando-a distante e esquecível. Para algumas pessoas, pode soar até mesmo como uma pessoa lunática. 

Como utilizar arquétipos femininos no Storytelling?

Utilizar os arquétipos femininos em narrativas e técnicas de Storytelling é exatamente igual ao processo de utilizar qualquer outro arquétipo. Para conseguir seguir uma linha de veracidade e verossimilhança, é importante se atentar em representar o máximo possível de detalhes do arquétipo, pensando em como a personagem agiria em determinado caso, considerando seu “tipo”. No entanto, é importante notar que é possível variar todas as informações como tempo, lugar, personagem, etc., mantendo somente uma leve semelhança com as características do arquétipo original. 

Por exemplo, ao fazer uma Caçadora, não precisamos ser tão literais e de fato criar uma personagem que utiliza arco e flecha para caçar. Podemos tratar isso metaforicamente, por exemplo:

Joana é uma mulher que está completando 38 anos no próximo mês. É uma renomada escritora que conseguiu, aos 29 anos, fundar sua própria editora. Seu desejo é conseguir fundar sua ONG para ajudar outras mulheres a escrever e fazer suas vozes serem ouvidas. Por estar sempre muito ocupada, nenhuma pessoa com quem se relacionou permaneceu em sua vida por muito tempo. Sem falar que, devido ao seu trabalho, ela deve viajar constantemente para dar palestras e atender a congressos. Seu objetivo principal é conseguir cravar os dentes e abrir espaço à força em meio à indústria criativa que, ao seu ver, é predominantemente masculina. 

Viu só? Conseguimos “atualizar” o arquétipo da caçadora para uma mulher que, ao invés de caçar para uma tribo ou comunidade, tem sede de reconhecimento e espaço em sua área. 

Além disso, podemos mesclar mais de um arquétipo para criar uma narrativa. Por exemplo, nós podemos:

  • Criar um arco narrativo a partir de dois ou mais arquétipos e uma personagem, por exemplo, a Donzela que se torna Amante mas acessa sua sombra e, por consequência, se torna uma Sábia.
  • Colocar três ou mais arquétipos diferentes para lidar com uma mesma situação, por exemplo: Uma Mística, uma Sábia e uma Donzela que precisam resolver um crime. 

Exemplos de arquétipos femininos no cinema!

Mãe

Muitas são as representações de Mães em filmes e livros. No entanto, uma representação recente que traduz o máximo de características possíveis do arquétipo da Mãe em uma personagem é a divindade Te Ka ou Te Fiti, da animação Moana:

Te Ka e Te fiti arquétipos femininos Mãe
Te Ka e Te fiti, da animação Moana

Te Ka e Te Fiti

Essa é uma boa representação pois Te Fiti é uma divindade que, assim como diz o arquétipo da mãe, é capaz de gerar vida a partir do nada, representa a serenidade, a empatia e a tranquilidade. Porém, Te Ka é uma outra faceta de Te Fiti, que representa o lado sombrio do arquétipo da Mãe, que é consumidor e assustador. 

Anima

Aqui, qualquer mulher que seja uma personagem narrada sob a perspectiva de um homem pode se encaixar no arquétipo da Anima. Temos esse conflito bastante evidente na relação Billy Flynn e Roxie Hart, no filme Chicago. Roxie, uma Amante e Femme Fatale que mata seu amante e convence seu marido a mentir por ela precisa se livrar da condenação máxima, a cadeira elétrica. Para isso, ela contrata os serviços do Billy Flynn, que moldará sua imagem a partir de sua “Anima” para que sua história seja mais atraente para a sociedade. 

Roxie Hart arquétipos femininos Anima
Roxie Hart, personagem do filme Chicago

A Donzela

Podíamos trazer aqui diversas das protagonistas de filmes da Disney, no entanto, é somente a Rapunzel do longa recente “Enrolados” que consegue trazer mais de sua complexidade — e não somente a representação plana de precisar ser resgatada. 

Rapunzel arquétipo feminino Donzela
Rapunzel

Por ter ficado anos de sua vida trancafiada em uma torre por sua mãe (que também é uma ótima representação da Sombra do arquétipo da Mãe!), ela vive sua vida intensamente ao ser resgatada, passando por diversas aventuras e adotando uma postura tão ativa quanto o “herói” de sua trama. Ela possui essa inocência e se assemelha mais à personalidade de uma garota do que de fato de uma mulher. Por conta disso, ela acaba por ser enganada e manipulada algumas vezes. 

A Amante

A personagem Luna Lovegood é uma boa representação de um arquétipo de Amante que não está envolvida com interesses românticos. Toda sua construção em Harry Potter é em torno do quanto ela ama seus amigos, amigas ou criaturas mágicas. Somente a ameaça a eles é que faz com que ela entre em ação para protegê-los. Ela é um ótimo exemplo também de como usar dois arquétipos em um personagem, uma vez que ela se encaixa igualmente no arquétipo da Mística. 

Luna Lovegood Amante
Luna Lovegood, personagem de Harry Potter

A Soberana

Apesar de ser uma representação bem literal, ela é importante para enxergar ao mesmo tempo uma Soberana em seu pleno efeito enquanto uma que está tomada por sua Sombra. Estamos falando das Rainhas Branca e de Copas da recente adaptação ao clássico de Lewis Caroll, Alice no País das Maravilhas

Rainha Branca e de Copas, arquétipos femininos da Soberana
Rainha de Copas e Rainha Branca, personagens de Alice

Enquanto a Rainha Branca se apresenta como uma Soberana destemida, amada e justa, a Rainha de Copas representa o ódio e se vê ameaçada por Alice. 

A Caçadora

Não existe melhor exemplo para esse arquétipo do que Katniss Everdeen, de Jogos Vorazes. Além de incorporar a própria Ártemis, Katniss é valente, independente e coloca seus sentimentos amorosos em segundo plano. Seu objetivo principal é proteger sua irmã. 

Katniss a Caçadora
Katniss Everdeen, personagem de Jogos Vorazes

A Sábia

Dentre a grande maioria de Sábias disponíveis na indústria cinematográfica, uma das mais reconhecidas é a personagem de Viola Davis em How to Get Away With Murder, Annalise Keating. A personagem é considerada uma grande fonte de conhecimento de leis e uma advogada excepcional no tribunal. Seus alunos e alunas constantemente esperam dela um posicionamento ou conhecimento que fará com que toda a confusão seja arrumada. 

Annalise Keating A Sábia
Annalise Keating, personagem da série How to Get Away With Murder

A Mística

Por fim, a representação de uma Mística não muito literal seria Phoebe Buffay, da série Friends. Na série, ela é uma personagem que, em relação aos demais, sempre está mais alheia. Ela está sempre bastante focada em seu autodescobrimento e vive a vida de acordo com suas regras, como em um mundo paralelo. 

Phoebe Buffay A Mística
Phoebe Buffay, personagem da série Friends

Neste post, conhecemos um pouco sobre “arquétipos femininos”, ou arquétipos que são, na maioria das vezes, associados a figuras femininas, por conta da cultura e sociedade. Tal conhecimento não é somente útil no campo da psicologia e análise clínica. A partir deles,  também conseguimos estruturar personagens e narrativas que serão muito úteis em técnicas de Storytelling e outros fatores consequentes, como estratégias de Marketing.

Não pare agora, continue aprendendo em nosso blog. Dessa vez, descubra um pouco sobre o Processo Criativo, o que ele é e como se dá!

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