Antes de começar a ler esse texto, desligue a tela do dispositivo que está utilizando. O que vê? Seu reflexo distorcido e sombrio em um ecrã fosco, certo? Então, você já entendeu a lógica por trás de Black Mirror.

Literalmente “espelho negro” em inglês, Black Mirror representa o reflexo do avanço tecnológico nas relações humanas e sociais com um leve teor sinistro e ominoso, levando para outro nível a velha discussão acerca dos limites das substituições humanas pelas máquinas. 

O objetivo desse texto é salientar os pontos que são importantes para a compreensão da série e fomentar a discussão sobre os rumos e formas de se utilizar a tecnologia. Vamos conhecer mais sobre essa série tão famosa e já aproveitar para entender o que ela ensina para nós? Então, confira o que vamos ler nesse artigo:

ATENÇÃO: Esse texto contém spoilers e revelações sobre enredo. 

Então, vamos começar!

O que é Black Mirror?

A tecnologia já se faz presente em todos os âmbitos de nossas vidas atualmente. Coisas que cem anos atrás seriam inimagináveis, nos dias de hoje são possibilidade. Como sabemos, a tecnologia pode ser utilizada para o bem, para facilitar a vida, para salvar pessoas, etc. Mas, também tem seu lado nocivo. 

É para isso que vem Black Mirror; para refletir sobre realidades completamente passíveis de acontecer em questão de pouco tempo e indicar que, se não tomarmos cuidado, as coisas podem tomar um rumo prejudicial. O interessante é que em momento nenhum a tecnologia é tida como algo ruim, ela se torna nociva a partir do ponto que encontra os instintos mais profundos e diabólicos dos seres humanos

Black Mirror é uma série britânica cujo gênero é ficção distópica e foi criada por Charlie Brooker. Ela começou a passar em um canal de televisão britânico de Dezembro de 2011 até Fevereiro de 2013, sendo adicionada ao catálogo da Netflix em 2014 e comprada pela plataforma de stream em 2015. Atualmente, todas suas temporadas estão disponíveis lá.

A série se organiza no formato de uma antologia; histórias variadas e descontinuadas com assuntos diversos. Logo, cada episódio é diferente do outro, mudando inclusive de elenco. Fora isso, cada temporada costuma ser curta, tendo de 3 a 6 episódios de aproximadamente uma hora de duração. 

Black Mirror e a tecnologia como meio de punição

Vamos então começar a explorar pelos temas mais soturnos de Black Mirror, começando por alguns dos episódios em que a tecnologia fora utilizada como forma de punir alguém, seja por um crime que cometeu ou por algum julgamento popular. 

White Bear (Episódio 2 | Temporada 2)

Não poderíamos deixar de iniciar por White Bear, que foi um dos episódios mais adorados enquanto a série não ganhava as proporções atuais. Em White Bear (Urso Branco), temos uma protagonista que acorda sem memória alguma em uma casa no subúrbio inglês. 

Imagens estranhas são emitidas nos televisores e não tem ninguém que possa ajudá-la, todas as pessoas estão vidradas atrás da tela de um aparelho celular, filmando cada passo seu. Para piorar a situação, ela é caçada por um grupo de assassinos pelas ruas que sentem prazer apenas em matar para que as pessoas possam filmar.

No final das contas, todo seu pesadelo fazia parte de um centro de detenção, que apagava sua memória todas as noites para que sofresse sua punição diariamente e servisse de entretenimento para as pessoas que pagaram para assistir. A protagonista havia sido cúmplice de um crime hediondo envolvendo uma criança. 

Esse episódio levanta um importante questionamento sobre a política de punição e se a tecnologia deve ou não ser utilizada para isso. Além desse ponto, ainda discute sobre o fato de a tecnologia permitir que a dor e sofrimento alheios se tornem modos de entretenimento. 

Hated in the Nation (Episódio 6 | Temporada 3)

Nesse episódio de Black Mirror, temos um exemplo de boa tecnologia usada para o mal, além de uma demonstração da torpe natureza humana. Com o desaparecimento das abelhas, precisou-se criar abelhas eletrônicas para dar conta do problema. 

A questão toma outro rumo quando um cracker consegue o controle das abelhas e as utiliza como arma de assassinato para figuras públicas que são “canceladas” pelo Twitter. Tais personalidades são votadas em uma página da rede social com a enquete “quem deve ser o próximo a morrer”. 

Odiados pela Nação é um episódio que reflete a atual “cultura do cancelamento” que está em voga em redes sociais. Tal cultura começou como forma de protesto e de chamar atenção para causas e minorias sociais, porém tomou outro rumo ao encorajar um grande senso de justiça individual das pessoas usuárias, o que pode levar até mesmo a assédios e agressões. 

De fato, no mundo atual existem coisas que não devem ser mais toleradas, porém, tudo fica mais fácil através do anonimato da internet. É essa reflexão que esse episódio de Black Mirror procura trazer; a facilidade com a qual alguns julgariam correto tirar vidas pela internet se fosse possível, baseado em um erro passado. 

Outros episódios que também se encaixam nessa descrição são Shut Up and Dance e Black Museum, que são bem populares na série. 

Black Mirror e o futuro dos jogos

Os jogos de videogame estão cada vez mais realistas e integrados ao ser humano. O que começou meio século atrás com poucos pixels atualmente avança rumo à realidade aumentada. Black Mirror não deixa essa oportunidade passar e também reflete até que ponto os jogos podem interferir na nossa realidade sem que deixemos nos confundir.

Playtest (Episódio 2 | Temporada 3)

Esse episódio de Black Mirror é um prato cheio para os fãs de games de horror. A fim de um dinheiro fácil, Cooper aceita testar uma nova proposta de jogos para uma companhia famosa. A ideia é implantar um dispositivo que causa determinadas alucinações, levando elementos do jogo para sua realidade, e não o contrário como conhecemos. 

Ele então é levado para uma mansão para passar a noite e então “jogar um jogo de terror”. Bom, o que podemos dizer é que o jogo vai muito além dos terrores físicos, adentrando fobias, memórias e traumas do passado, criando situações que não se sabe se são reais ou alucinações. 

A grande premissa do episódio é fazer a pessoa telespectadora questionar o que é real ou não, e sempre estar em dúvida se ainda estamos jogando ou vivendo nossa vida. Isso nos leva a refletir até que ponto a imersão é saudável e a partir de onde ela passa a ser algo que confunde nossa mente

Outro episódio relevante para o tema é Striking Vipers, que abre a quinta temporada de Black Mirror.

Black Mirror e a tecnologia nas relações humanas

Grande parte dos episódios de Black Mirror foca nas relações humanas e quais lições podemos tirar de um uso equivocado da tecnologia. É o caso de Arkangel, que demonstra como a mãe, utilizando uma tecnologia para proteger a filha, acaba usando-a para manter controle sobre a vida dela, ou Be Right Back, em que a protagonista tenta substituir seu companheiro por uma réplica de inteligência artificial.

Entretanto, alguns episódios merecem destaque por sua sensibilidade e destreza ao representar uma situação tão próxima e verossímil, causando assombro e alertando para muitos hábitos que temos atualmente que já representam um mau uso da tecnologia:

Nosedive (Episódio 1 | Temporada 3)

Apesar de Nosedive (Queda livre) ser um episódio de bonita fotografia e cenários deslumbrantes, a realidade é sufocante. A protagonista é Lacie, que precisa constantemente agradar a todos e forçar seu melhor riso pois, nessa sociedade, você é avaliado o tempo inteiro e julgado pela sua aparência. E tem mais: as notas impactam naquilo que você pode ser, o que pode ter e para onde pode ir!

É durante uma viagem para o casamento da melhor amiga de infância, onde estarão as pessoas com ranqueamento mais alto, que tudo começa a dar errado. Pouco a pouco, Lacie vê sua nota despencar em queda livre. 

A importância desse episódio em Black Mirror se concentra no questionamento sobre o uso das redes sociais e da persona que incorporamos para tentar arrecadar likes. Até onde é realmente aceitável vender uma ideia de vida perfeita? Também levanta a questão de que isso nos leva a acreditar que a vida das demais pessoas é melhor que a nossa, criando expectativas impossíveis e afetando nossa saúde mental

Fifteen Million Merits (Episódio 2 | Temporada 1)

Por último, mas não menos importante, temos Quinze Milhões de Méritos. Para muitas pessoas, esse episódio é um dos mais brutais da série, por escancarar muitas questões sociais relacionadas ao uso da tecnologia. 

Tal episódio de Black Mirror se passa em uma distopia enclausurante, em que o protagonista Bing e as outras pessoas são utilizadas como fonte de energia para algo desconhecido, tendo que pedalar durante o dia inteiro. Fora isso, todo mundo é bombardeado por anúncios a todo instante, afinal, cada centímetro de parede é coberto por telas.

Tudo muda quando Bing conhece Abi, cuja voz é tão bonita que ele enxerga uma chance para que ela mude de vida entrando para um programa de talentos chamado Hot Shot — uma chance única, como o nome indica. O que acontece em seguida é um tanto quanto perturbador. 

Esse episódio reflete inúmeras questões importantes da sociedade, como o glamuroso mundo da televisão sendo uma falsa fonte de esperança, a relação nociva da sociedade com a pornografia e o fato do dinheiro conseguir ser capaz de comprar tudo, até mesmo a esperança em atos revolucionários.

O mundo cercado de telas alerta para a alienação por meio da tecnologia que a sociedade contemporânea está passando. 

Black Mirror é umas das séries mais populares dos últimos tempos. Ela traz consigo questões importantíssimas para todas as pessoas usuárias de tecnologia refletirem, e, acima de tudo, para que pessoas da área de Tecnologia da Informação compreendam a responsabilidade que é trabalhar com esse material, afinal, a tecnologia molda a sociedade e o mercado

Se gostou do nosso artigo sobre Black Mirror, que tal conhecer outras 7 séries que também tratam sobre tecnologia?

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